quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Estes textos foram originalmente publicados em "Os Cães do Inferno", entre 2004 e 2007, em ambos os endereços blogspot e uol blog.


22 de janeiro de 2007.

A febre arrefeceu
Do coração, a febre,
entibiou-se até gelar.
Gelou. Em neve
transformou-se e só
do coração sobrou
um quê tão breve
que se desmanchou
como o que se prescreve.
como o que não se teve.

A febre arrefeceu.
Do coração, a febre
entibiou-se até calar.
Calou. Deteve
a voz quase a gritar, e só
do coração sobrou
um quê tão breve
que nunca mais falou
como o que se prescreve.
como o que não se teve.

A febre arrefeceu.


22 de janeiro de 2007.

Eu quero seguir.

Não quero sorriso
Não quero certeza
Não quero clareza
Só quero seguir.

Não quero passado
Não quero partido
Não quero um amigo
Só quero seguir.

Não quero desculpa
Não quero descanso
Não quero seu pranto
Só quero seguir.

Não quero começo
Não quero uma estrada
Não quero mais nada
Só quero seguir.

Eu quero seguir.
Me deixa seguir.
Eu quero seguir.


10 de Janeiro de 2007.

Amiga lembrança que se distancia
Inda no seio, inerte, expia no esquecimento
o esvair do tempo, o desvanecimento

Pálida consorte. Da vida, a morte
Ora devaneio d’uma outrora abarrotada
Punhado de quase nada. Viso.

Foi-se, qual nunca houvesse chegado.


04 de Agosto de 2005

Bicho Papão

Mãezinha, disse a menina,
Foi-se a hora de deitar.
Vem comigo pro meu quarto
Quero muito te abraçar…

Alisar os teus cabelos,
E prendê-los numa graça
Feita desta mesma fita
Que teci tua mordaça…

Sei que foges, temerosa,
Da navalha em minha mão
Cujo fio é desejoso
Do teu negro coração.

Mas não temas, mamãezinha,
Eu prometo não doer
Pelo menos não o tanto
Que me fizeste sofrer

Inverteu-se, agora, o jogo,
Desta casa, fiz a cela.
Não há chaves pelas portas
E há grades nas janelas!

Esta noite é a desforra
D’outras tantas que não vi
Ao tratares como um monstro
A menina que nasci…


01 de março de 2005.

O amor e o tempo

Eu pensava que entendia
Como o tempo funcionava
Aprendi: é tão preciso,
O tempo, jamais se atrasa!
Nas areias, nos ponteiros,
Em maneiras, não faltava.
Preciso, corria o tempo,
no tempo, que se buscava.

Eis então que dois eventos
Por acaso, quase em vão
Cruzaram-se de repente
Em um leigo coração
D’um lado, o sabido tempo
De outro, o temido amor
Trocaram breves olhares
Amaram-se sem pudor

E dois tempos se criaram
O de dentro e o de fora
Um deles muito apressado
O outro que se demora.
Perdido, devaneando
Nos eons de seus segundos
Parava, correndo, o tempo
Do tempo de todo mundo!

Perguntei: por que razão
O tempo se recriou?
Buscava viver o tempo
Do tempo que não amou?
Sentido nisso não há
O tempo vive de nada!
Seus pulmões são as distâncias
E seu ar as caminhadas!

Demorei a entender, mas
Como não pude enxergar?
A repentina paixão
Tentava se eternizar!
E recriou-se no amor
Com ponteiros de fumaça
O tempo que livre corre
De um tempo que já não passa!


25 de Julho de 2005

Dois Anjos

Estendeu-me a mão um anjo,
cujo nome eu não sabia.
Prometeu-me eternidade
se o amasse por um dia.
Recusei-lhe o tal pedido,
um só dia não bastava!
Mas jogou-me, ele, no abismo,
sem saber por que’u negava…

Uma era transcorreu.
Eu, naquela escuridão!
Eis que um outro anjo veio,
e estendeu-me sua mão.
Disse ele: “É teu, meu tempo,
se, por mim, te compadeces.
Dá-me um pouco de teu ódio
e atendo a tuas preces.”
“Ódio pedes que eu te dê?
Se, aos anjos, tenho amor!”
E, foi-se, então, o alado.
Deixou-me com minha dor.

Outra era, eu vi passar.
Outro anjo, então, pousou.
O meu ódio não queria;
meu amor, não lhe encantou.
Largou-se, ali, por largar-se.
Ao meu lado, em silêncio…
Nada me pedia em troca,
nunca soube por que veio.
Outra era consumou-se.
Nós dois juntos, lado a lado,
Sem dizer uma palavra,
sem trocar um só olhado.

Eis que os dois anjos de outrora
retornaram sem aviso
E postaram-se de costas
no beiral daquele abismo
“Outra chance nós te damos”,
me disseram sem me olhar,
“Se a um deres amor,
e ao outro, odiar!”

Ergui-me, a responder.
Em vão. A voz me faltou.
“Deixa”, disse o arauto
que ao meu lado ficou.
“Por que pedes a um homem
o que tens do Criador?”
Mas na voz daquele anjo,
a minha voz se lançou!
Enganados, sem saber,
inda de costa, respondem:
“Quem és tu para saber
do’amor que temos de outrem?”
“Sou aquele a quem não basta,
do que sinto, um só bocado.
Sou o teu sentir sem ser,
em teu ser amargurado!”
Os dois anjos se lançaram,
de joelhos, a chorar
“Perdão, Senhor, piedade”,
repetiam sem parar.
E voaram temerosos,
sumindo na imensidão
Deixando-me a sós de novo,
na eterna solidão.


17 de Agosto de 2004.

Ele disse assim “amanhã eu passo lá.” Nunca passou. Ela ficou esperando horas e horas. Colocou um vestido daqueles que vestem bem mas não gritam a vontade que um tem de se achar bem vestido. Sentou-se à porta para esperar a visita que não viria, e lá ficou. No décimo cigarro percebeu que não fumava, mas até aí que diferença poderia fazer? Ele não foi. E ela queria tanto que ele tivesse ido. Achou que a melhor saída era esquecer. Abriu um buraco na testa e deixou que o sangue escorresse a lembrança do desencontro. Melava o vermelho entre os dedos e vez por outra experimentava um pouco da sua memória. Percebeu que o gosto lhe dava prazer. Começou a gesticular para os passantes, oferecendo um pouco do que ela já nem mais lembrava. Sangrou sozinha, na beira da rua, e acordou sete palmos acima da estratosfera. Chorou. Ele olhava para ela. Estendia aquela mão esvoaçante como quem oferece um lenço. Se ao menos ela soubesse que o encontro marcado teria lugar somente ali… Jamais teria aceito o convite. Mas agora era tarde. Ele morreu a caminho, e ela sem sair do lugar.

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